quinta-feira, 28 de agosto de 2008

ENTREVISTA : André Zatz

Esse humilde blog pretende começar uma série de entrevista com autores de jogos, e nada melhor do que começar com um brasileiro que conseguiu destaque lá fora e foi extremamente simpático e solícito comigo. Agora com vocês André Zatz.



EatJ?: Fale-nos um pouco de você, como começou a sua história com os board-games e como isso se transformou em trabalho?

AZ: Sempre gostei de jogar. Quando era criança, jogava com a família jogos como Detetive, Staff, Damas, Einstein, Combate e Master, além de jogos de cartas como Buraco, Tranca e Mexe-Mexe. No início da adolescência me apaixonei pelo Xadrez. Estudava o jogo, participava de campeonatos e até sonhei em ser um enxadrista profissional. Alguns anos se passaram antes que surgisse a idéia de criar um jogo com o objetivo de vê-lo publicado. Isto ocorreu por volta de 1995, 1996, quando o Sergio (Halaban) sugeriu que nos reuníssemos regularmente para jogar, com o duplo objetivo de diversão e de criar nosso próprio jogo. O jogo que surgiu daí foi lançado em 1998 pela Toyster, na linha Game Office, com o nome de Corrida Presidencial. Nasceu então o sonho de nos tornarmos autores de jogos profissionais. Passados doze anos, estamos longe de poder viver desse ofício (são raros os autores no mundo que conseguiram isso) mas continuamos criando jogos, persistindo, devagar e sempre.

EatJ?: Na hora de pensar em um jogo novo, em que você pensa primeiro a mecânica ou o tema?

AZ: Geralmente penso primeiro no tema.

EatJ?: Depois de definido o tema, como chegar a mecânica? AZ: Não tenho uma receita. Isso varia de jogo para jogo. Pensando melhor, acho que mais do que só um tema, eu costumo pensar numa situação de jogo. Quer dizer, eu tenho uma idéia do que eu quero representar no jogo. E aí quebro a cabeça para tentar traduzir isso em mecânicas adequadas e interessantes. Às vezes pego um mecanismo de alguma antiga anotação, empresto de outro protótipo em desenvolvimento ou de um jogo já existente. No mais das vezes, a mecânica vai sendo criada naturalmente a partir do tema e da situação que queremos representar.

EatJ?: Quais são seus autores preferidos e os jogos que você mais gosta?

AZ: Quando comecei a jogar os novos jogos europeus no final da década de 90, meu autor preferido era o Reiner Knizia. O que ele fazia era inovador, simples, inteligente, elegante. Com o tempo, comecei a apreciar certos aspectos dos jogos de outros autores como Teuber e Kramer. Hoje penso que Kramer é o maior autor, se pensarmos na versatilidade e no conjunto da obra. De qualquer modo, nos últimos anos a supremacia de alguns poucos autores foi substituída pela profusão de novos autores, muitos deles desconhecidos até 10 anos atrás. Há muitos bons autores hoje, fazendo jogos no mesmo nível dos grandes.

Com relação aos meus jogos preferidos, na última fase em que joguei bastante, há uns três anos, o que eu mais gostava era de jogar Puerto Rico. Como dificilmente consigo jogar mais de uma ou duas vezes o mesmo jogo, os jogos mais complexos acabam tendo uma desvantagem, pois são jogos que nem sempre agradam de início, mas que se tornam mais interessantes à medida que novas partidas são jogadas. Alguns jogos que me vêm à memória agora como tendo causado excelente impressão à mesa nos últimos tempos foram Ticket to Ride (que não jogava faz tempo), Thurn und Taxis e In The Year of The Dragon.


Foto promocional do Batalhas Medievais.

Naturalmente, isto sem contar o Go. Jogo muito mais freqüentemente jogos modernos do que tradicionais. Mas tenho um fraco pelo Go. Há uns seis ou sete anos me “afundei” nele, a ponto de jogar diariamente pela internet, contra adversários do Brasil e de outros países. Li uma porção de livros e até fiquei sócio da Nihon Kiin, clube de Go da comunidade japonesa em São Paulo. Depois larguei o “vício”, mas de tempos em tempos tenho uma recaída. O Go é um jogo de um interesse imenso.

EatJ?: Das suas criações, quais as suas preferidas?

AZ: Penso que obtivemos resultados muito bons com o Batalhas Medievais, com o Hart an der Grenze e com o Sultão, cada um no seu gênero. Também gosto muito da dinamicidade do Jogo dos Conquistadores, que é mais do meu estilo do que o Batalhas Medievais; mas creio que não conseguimos arredondá-lo como fizemos com os outros citados.

EatJ?: Atualmente você tem tido tempo para jogar coisas novas ou apenas testar seus protótipos?

AZ: Infelizmente, tenho tido muito pouco tempo para jogar coisas novas e pouco tempo até para testar novos protótipos. Houve uma época em que jogávamos todas as semanas jogos e mais jogos. Mas isso ficou para trás. Hoje tento jogar quando posso, acompanhar um pouco as novidades. É divertido jogar, mas muitas outras coisas na vida concorrem para ocupar o nosso tempo.


Os componentes originais do Hart an der Grenze.

EatJ?: Depois do lançamento do Hart an der Grenze no mercado europeu, você acha que abriu uma porta para os autores nacionais tentarem vôos mais altos?

AZ: Penso que cada vez que um autor brasileiro tem algum destaque lá fora, todos nós ganhamos. O Hart an der Grenze foi um desses marcos, assim como o Vineta. O fato de o Hart ter sido lançado por uma empresa respeitada como a Kosmos e ter sido recomendado pelo Spiel des Jahres somam pontos. O fato de o Vineta ter sido premiado no concurso da Ludoteca de Paris também. Há outras iniciativas somando para nossa imagem lá fora, como os artigos do Antonio Marcelo e do Flavio Jandorno, publicados pelo Boardgamenews. Citaria ainda o war-party-game naval do Luciano Ramalho, também finalista na França e o auê causado pelo Sultão, que foi apresentado pela Phalanx em Nuremberg, embora no final não tenha sido produzido conforme a expectativa. O Fábio Tola é outra figura importante, por ser tão bem relacionado com os gamers americanos. Enfim, deve haver muitas outras iniciativas ou feitos que eu ignoro ou não me lembrei no momento. Desculpem aqueles que eu não mencionei.

Isso tudo facilita nossa aproximação junto aos fabricantes estrangeiros, mas não quer dizer que as coisas fiquem realmente fáceis. Sergio e eu estamos batalhando há pelo menos três anos para a publicação de novos jogos na Europa e por enquanto não foi possível. O número de autores e de bons autores é cada vez maior, ao passo que em números o mercado alemão não tem crescido nos últimos dez anos. Isso significa que se torna cada vez mais difícil ter um jogo lançado e que é cada vez mais comum que um bom jogo lançado passe despercebido da crítica e do público e saia de catálogo em pouco tempo.

Com relação ao nome Hart an der Grenze (ou Jogo da Fronteira), prefiro usar o nome alemão. Foi a versão original do jogo e a que nos deu mais alegrias. A versão nacional simplificada, na qual a Estrela ignorou nosso cenário mexicano tirando parte do bom humor do jogo (nosso protótipo se passava no Velho Oeste) gerou uma polêmica a meu ver repleta de exageros e de mal-entendidos, que não gosto nem de lembrar.


André com a seu companheiro de criação Sergio Halaban.

EatJ?: Sobre a parceria com o Sergio Halaban, vocês já trabalham juntos há quanto tempo? E como é trabalhar em parceria na criação de jogos?

AZ: Nós trabalhamos juntos desde que começamos a criar jogos. Todos os jogos foram desenvolvidos em parceria. Por isso eu não saberia comparar com criar um jogo sozinho, coisa que nunca fiz. Diz a sabedoria popular que duas cabeças pensam melhor que uma e cada um vê o jogo sob os aspectos que lhe chamam mais a atenção. O Sergio tem uma visão logística muito superior à minha. Ele detecta procedimentos complicados e sabe simplificá-los, o que é muito importante nos jogos de estilo europeu. Uma das características que define os jogos europeus é de serem jogos de decisões inteligentes e ao mesmo tempo de regras elegantes, em oposição aos jogos cheios de regras no melhor estilo americano das décadas de 70 e 80. Além disso, o Sergio é originalmente um designer, o que faz com que saiba traduzir a mecânica em componentes de visual adequado e que favoreçam a jogabilidade. Eu, por outro lado, costumo me preocupar com o balanceamento, com o equilíbrio matemático, com as probabilidades. São coisas que me atraem e que me parecem importantes num jogo. Além disso, acho que eu me envolvo mais do que ele com o tema, me divertindo em criar elementos bem tematizados e bem humorados. Mas de modo geral, criamos juntos, propomos idéias um ao outro, comentamos, se possível até testamos juntos.

EatJ?: Sobre o mercado nacional, o que mais te frustra, a falta de interesse com o que acontece lá fora ou a falta de cuidado com o que é lançado por aqui?

AZ: Acho curioso que o mercado nacional tenha tido a capacidade de me frustrar de novo e de novo, ao longo dos anos. Como se eu fosse incapaz de me conformar com a realidade. Só em 2008 é que me convenci de que não há fabricantes de jogos no Brasil. O que temos aqui são fabricantes de brinquedos, que também fazem jogos. Isso faz muita diferença, pois diante das dificuldades, ao invés de investir no desenvolvimento de jogos melhores e na divulgação dos mesmos, os fabricantes escapam freqüentemente por rotas laterais, importando novos carrinhos, bonecos ou coisa que o valha.

EatJ?: Com a chegada da Hasbro ao mercado de jogos no Brasil, você acha que o nosso cenário tende a melhorar?

AZ: Ainda é cedo para dizer. A princípio pensei que sim, que Grow, Estrela e companhia seriam forçadas a lançar novos jogos. Mas tive uma grande decepção na última Abrin, a feira de brinquedos. A Grow parece ter decidido reforçar as marcas dos jogos que já tinha (War, Master, Super Trunfo...) abrindo mão de lançar novidades. A Estrela optou por se apropriar dos antigos jogos da Hasbro e lançar seu próprio Banco Imobiliário, seu Detetive, seu Jogo da Vida, além de versões com personagens licenciados de jogos clássicos como esses e outros. Também conversei com o pessoal da Hasbro e me parece que não vão lançar jogos novos no Brasil, só novas versões do Trivial Pursuit e outros jogos deles.

No entanto, todas essas são primeiras reações, respostas táticas às mudanças. Que estratégia os fabricantes adotarão daqui por diante? Não sei. Tomara que ela passe por uma renovação no universo dos jogos de tabuleiro. Mas não tenho grande ilusão sobre isso. Na visão do Sergio, uma verdadeira renovação do universo dos jogos de tabuleiro no Brasil não virá das grandes empresas, mas dos empreendedores independentes, de iniciativas de gamers dispostos a investir tempo e dinheiro na produção e distribuição de jogos com potencial para ocupar um espaço no cenário nacional. Nesse sentido, ficamos felizes ao ver iniciativas como o lançamento do Arte Moderna e do Samurai. Também seria preciso desenvolver novos canais de vendas, como universidades e outros, pois creio que as lojas de brinquedos não sejam o lugar ideal para a venda de jogos ao público adulto, pelo menos não enquanto não houver um mercado forte de jogos no país.

EatJ?: Temos acompanhado seus convites para testes, o que podemos esperar para os próximos lançamentos?

AZ: De tempos em tempos, temos feito baterias de testes, para aperfeiçoar uma série de novos jogos que estamos desenvolvendo. Em sua maioria são jogos voltados para adultos, com complexidade mediana. São jogos pensados para o mercado europeu, mais especificamente o alemão. No entanto, esses processos são lentos, tanto o desenvolvimento, como as conversas com fabricantes e infelizmente por hora não há nenhum novo lançamento previsto.

EatJ?: Obrigado pela entrevista e sucesso nas próximas empreitadas.

AZ: Eu é que agradeço o interesse do blog. Se algum dos leitores passar por São Paulo, serão bem-vindos em nossos playtestes.

5 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pela entrevista, ficou muito boa, da dupla André/Sérgio eu tenho o Corrida Presidencial (bom), Jogo da Fronteira (muito bom) e o Riquezas do Sultão (muito bom), claro que estou falando da mecânica deles, pois da qualidade...

Marquinhos disse...

Uau! Mostrando que o mercado nacional já nasceu com futuro! Só precisamos de um pouco mais de incentivo!

Parabéns!!

Fel disse...

Cacá é furão mas ficou show a entrevista ;)

Parabéns!

Rivaben disse...

Cacá,

Parabéns pelo blog e pela iniciativa. Tá muito legal a entrevista.

O Zatz é um cara fantástico que tem idéias muito boas, espero que ele sempre continue com essa energia para que possamos logo ter novas pérolas como o Hartz e o Sultão.

Cacá disse...

A todos os amigos que passaram por aqui obrigado pelos elogios, isso só me da ânimo para tentar outras entrevistas...

Abraços a todos...